sábado, 25 de abril de 2009

Já é madrugada...

Já é madrugada e dirijo meu carro pelas ruas desertas dessa cidade fantasma. Reduzo a velocidade ao ouvir o apito do trem que se aproxima, descem as barras que bloqueiam a avenida de sonhos partidos que percorro e espero o (enorme)trem cargueiro que passa todos os dias a essa hora passar para continuar meu caminho. Ligo o rádio a procura de uma canção que me liberte, mas momentos de catarse tem sido raros nesses últimos meses, o meu velho rádio já não consegue sintonizar as rádios corretamente e os ruídos que emite são piores que qualquer canção ruim que possa tocar.
A garota no banco ao meu lado dorme profundamente, seus sonhos escorrem pelos cabelos e saem pela janela se perdendo nesse mundo de sombras, ainda assim desenha um sorriso discreto em seu rosto jovem, me pergunto se estou em seus sonhos, se sou eu o homem que faz com que o emaranhado de histórias e experiência que nos afligem todas as noites tenha alguma sentido. Ela está presente nos meus sonhos, é o elo entre esse mundo e o outro desconhecido, sonhei com essa garota a vida toda, antes mesmo de transarmos no banco de trás do meu carro, antes de todas as cervejas e cigarros, antes mesmo de conhecê-la esta noite.
Se os sonhos revelam nossos desejos mais secretos, essa garota é o que mais desejo e agora foge do meu mundo de sonhos e invade a minha realidade tão abruptamente, em apenas uma noite. É madrugada, as barras que bloqueiam a rua se levantam e a garota com quem sonhei por todos esses anos está ao meu lado dormindo tranquilamente, ela me pediu para levá-la para casa, mas não ouso acordá-la para pedir instruções de como chegar lá, poderia ficar parado aqui, velando o seu sono, admirando os sonhos que escapam pela janela e se misturam com a névoa e o vento frio dessa noite. Aproximo minha mão dos seus cabelos, ela desperta, pergunto-lhe como chegar a sua casa e ela me responde da forma mais objetiva possível. “Rua das Quimeras n°38 - Dreamland, siga direto e vire na 4ª a esquerda".
Paro o carro e ela desce sem agradecer ou se despedir, o último olhar que me dirigiu me revelou o que mais temia encontrar, a ebriedade do álcool e da nicotina havia a abandonado por completo e eu era apenas mais uma de suas aventuras noturnas, nada de sonhos se tornando realidade na Rua das Quimeras Partidas. Ela se dirige a porta de sua casa sem olhar para trás, seus passos são rápidos, abre a fechadura com certa diligência e nem ao menos olha para o carro, sei que naquele momento deseja que eu não estivesse ali, talvez tenha se assustado por ter dormido no carro de um estranho, talvez quisesse deixar claro que não haveria mais nada depois dessa noite. Não sei o seu nome, mas sei o seu endereço, embora saiba que jamais voltaria aqui se ela não me convidasse, mas não vamos nos encontrar de novo, aquele bar foi apenas um acidente nas nossas vidas, um acidente que me fez entrar no mundo dos meus sonhos mesmo estando desperto.
Ligo o carro e sigo o caminho inverso que fiz, os primeiros raios de sol tingem o céu, a névoa começa a se dispersar e o cenário me pede um cigarro, a carteira está vazia. Vou para minha casa onde encontrarei a minha cama desarrumada, minha mesa bagunçada, a pia cheia de louças e os trabalhos acumulados, tirarei a roupa e me jogarei na cama nos braços da minha solidão, por cima de livros e roupas. O ambiente que parece desagradável não passa de mais um reflexo de mim mesmo. É apenas o que me espera quando eu chegar em casa, os reflexos da minha vida vazia e solitária. Está amanhecendo dirijo o meu carro pelas ruas desertas dessa cidade fantasma.

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